Cumpre trazer à baila o entendimento do renomado doutrinador, Guilherme de Souza Nucci, quanto ao tema: "Há ainda, um espaço temporal, no qual se pode realizar a conduta típica: antes ou depois da falência ou da recuperação judicial ou extrajudicial. Cuidando-se de ato realizado antes da falência ou recuperação judicial ou extrajudicial, a conduta depende da condição objetiva de punibilidade (art.180, desta lei). Se o ato for realizado depois, trata-se somente da complementação da conduta já prevista no tipo penal incriminador". (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, Editora Revista dos Tribunais, pág.635).
Íntegra do acórdão:
Acórdão: Apelação Criminal n.2009.001501-5, de Modelo.
Relator: Des. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer.
Data da decisão:06.06.2012.
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME FALIMENTAR. FRAUDE À CREDORES. RECURSO DO RÉU. ALEGAÇÃO DE QUE O ATO DE DISPOSIÇÃO DOS BENS FOI ANTERIOR A SENTENÇA DE DECRETAÇÃO DE FALÊNCIA. FALTA DE PROVAS DA TEMPORARIEDADE DO ACORDO. CESSÃO DE CRÉDITO JUNTADA AOS AUTOS DA FALÊNCIA POSTERIORMENTE À SENTENÇA DE QUEBRA DA EMPRESA, BEM COMO O ACORDO JUDICIAL QUE DISPÔS DOS BENS. ADEMAIS O TIPO PENAL PODE SER COMETIDO ANTES OU DEPOIS DA SENTENÇA DE FALÊNCIA, ART. 172 DA LEI 11.101/05. DOLO ESPECÍFICO CONFIGURADO. "ANIMUS" DE FAVORECER CREDORES EN DETRIMENTO DOS DEMAIS. PREJUIZO CARACTERIZADO. AUSÊNCIA DE DÚVIDAS QUANTO A AUTORIA, MATERIALIDADE E TIPICIDADE DA CONDUTA. MANUTENÇÃO DO DECRETO CONDENATÓRIO E SEUS EFEITOS PRIMÁRIOS. RECURSO DO RÉU QUANTO AOS EFEITOS SECUNDÁRIOS. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. MÁCULA VERIFICADA. EXCLUSÃO DOS EFEITOS SECUNDÁRIOS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2009.001501-5, da comarca de Modelo (Vara Única), em que é apelante Adilson César Braun, e apelada A Justiça, por seu Promotor:
A Quarta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento para excluir o efeito secundário da condenação. Custas Legais.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Desembargador Roberto Lucas Pacheco, Presidente com voto, e o Exmo. Sr. Desembargador José Everaldo Silva.
Florianópolis, 06 de junho de 2012.
Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer
RELATORA
RELATÓRIO
O representante do Ministério Público ofereceu denúncia em face de Dilson César Braun, por ter supostamente praticado o delito descrito no artigo 172, caput, da lei n.11.101/2005, nos termos da peça acusatória:
"Em 17 de outubro de 2006, a empresa Kobra Indústria e Comércio de Móveis Ltda., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n° 04.215.509/0001-02, com sede nesta cidade e comarca, representada pelo seu sócio administrador, o denunciado Adilson César Braun , propôs ação de auto-falência, sob o argumento de não poder mais honrar os compromissos com seus fornecedores.
Diante da documentação apresentada, em 14 de novembro de 2006 a Juíza de Direito da Comarca de Modelo decreto a falência da empresa Kobra Indústria e Comércio Ltda. Dentre os dispositivos da decisão estava a proibição de atos de disposição de bens do falido.
No entanto, no dia 5 de fevereiro de 2007, nos autos da ação ordinária n°2006.04.000150-8, Adilson César Braun e a empresa Liberty Paulista Seguros S.A. Firmaram acordo pelo qual a empresa do denunciado recebeu R$80.000,00 como forma de indenização.
Este valor deveria ter sido arrecadado para a quitação das dívidas com os credores da massa falida. Contudo, buscando favorecer a empresa WS Madeiras Ltda., bem como seus advogados Élio Luís Frozza e Jony Stulp, o denunciado Adilson César praticou, depois da sentença que decretou a falência da empresa que era sócio administrador, ato de disposição patrimonial, destinado a favorecer dois credores em prejuízo dos demais."
Recebida a denúncia em data de 25/09/2007 (fl. 12), o denunciado foi regularmente citado (fl. 45-v).
O réu apresentou defesa prévia, alegando ser inverídico os fatos relatados na denúncia, visto que não favoreceu nenhum credor, bem como não cometeu qualquer delito. Pugnou pela sua absolvição (fls.48/49).
Durante a instrução, foi ouvida uma testemunha arrolada pela defesa(fl.74) e nada requereram as partes na fase do art. 499 do CPP(fl.79).
O Ministério Público apresentou alegações finais, opinando pela procedência do pedido formulado na denúncia, para condenar o denunciado a infração do art.172, caput, e 181 da Lei n°11.101/05(fls.80/83).
O denunciado em alegações finais, pugnou pela sua absolvição.
O Dr. Juiz de Direito proferiu sentença nos seguintes termos:
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE, o pedido contido na denúncia e em, consequência, CONDENO o Réu ADILSON CESAR BRAUN, já qualificado, ao cumprimento da pena de 02 anos de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 10 dias-multa, cada qual no valor mínimo fixado para o tipo, por infração ao deposto no art.172, da Lei 11.101/05. Outrossim, nos termos do art.181 da Lei 11.101/2205, fica o Réu sujeito aos seguintes efeitos secundários da sentença condenatória: (...). Substituo a pena carcerária por duas restritivas de direito (prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade), nos moldes supra. Concedo ao Réu o direito de recorrer em liberdade. Condeno o Réu ao pagamento das despesas processuais.
Realizada a intimação da sentença, o réu interpôs recurso de apelação, requerendo a absolvição, ao argumento de que o fato é atípico, ademais por não está demonstrado provas suficientes de sua autoria.
Com as contrarrazões, ascenderam os autos a este Tribunal.
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Robison Westphal.
Este é o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso há de ser conhecido.
Cuida-se de apelação criminal interposta pelo réu, Adilson César Braun, contra a condenação à pena de 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 10 dias-multa, sendo substituída por duas restritivas de direito (multa pecuniária e prestação de serviço) por infração ao disposto no art. 172, da Lei 11.101/05.
O réu apelante, inconformado com a condenação, recorreu da sentença condenatória, alegando em suma que não cometeu a conduta típica de "favorecimento de terceiros" eis que a disposição patrimonial citada na denúncia, na verdade, ocorreu em data anterior ao decreto de falência, bem como ao seu termo legal, o que denota a atipicidade da conduta.
Razão não lhe assiste.
Em rápida síntese da denúncia, verifica-se que o apelante foi denunciado por infração ao art. 172 da Lei 11.101/2005, por ter favorecido dois credores em prejuízo dos demais, visto que cometeu ato de disposição patrimônial dos bens da empresa, na qual era sócio, depois de ter sido declarado falido por sentença exarada na data de 14 de novembro de 2006.
O ato fraudulento aconteceu através de acordo judicial entabulado no dia 05 de fevereiro de 2007, nos autos de ação ordinária n. 2006.04.000150-8, onde a empresa do apelante recebeu R$80.000,00 da empresa Liberty Paulista Seguros S.A, como forma de indenização, todavia, os valores recebidos foram repassados diretamente à empresa WS Madeiras Ltda, bem como seus advogados Élio Luiz Frozza e Jony Stulp, através de cessão de crédito (fls. 24/27).
A materialidade está comprovada através dos documentos de fls. 16/20, 21/23, 24/28, vislumbra-se claramente que o Réu apelante cedeu créditos que a empresa falida possuía junto a Liberty Seguros S/A à WS Madeiras Ltda e a seus procuradores Élio Luis Frozza e Jony Stulp, em prejuízo dos demais credores.
Quanto a autoria, conquanto tenha o réu apelante negado ter celebrado o acordo judicial de fls. 21/23, constata-se que tal acordo foi assinado por um dos advogados da empresa falida (Jony Stulp), agindo este como mandatário da falida, não havendo qualquer dúvidas acerca da autoria.
A controvérsia está em saber quando se deu o ato de disposição patrimonial dos bens da empresa falida, se da cessão de crédito (27.12.05) como alegado pelo apelante, ou, do acordo judicial (05.02.2007) homologado nos autos n. 2006.04.000150-8, como entendeu o magistrado de primeiro grau.
Entendo que acertou o magistrado singular.
Isto porque, não há qualquer certificação ou prova de que a cessão de crédito (24/27) foi efetuada na data de 27.12.2005, eis que não há qualquer registro, nem ao menos certificação de autenticidade das assinaturas, o que poderia gerar uma presunção ao menos relativa da data da cessão de crédito.
Como bem observado pelo julgador a quo, a referida cessão de crédito foi juntada à Ação de Indenização, somente em 12.02.2007, quanto a muito já decretada a falência da empresa (14.11.2006).
Ademais, mesmo se levarmos em consideração o prazo da cessão de crédito (27.12.05) alegada pelo apelante, ou seja, anterior à sentença de falência, bem como ao termo legal, cumpre assinalar que não há na norma incriminadora "fraude à credores" a necessidade do ato de disposição ser posterior à sentença de falência ou dentro do termo legal, senão veja- se:
"Art. 172. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar plano de recuperação extrajudicial, ato de disposição ou oneração patrimonial ou gerador de obrigação, destinado, a favorecer um ou mais credores em prejuízo dos demais".
Veja-se que a lei é clara quanto a possibilidade da conduta ser praticada antes da sentença que decretar a falência, conquanto, seja decretada a posteriori, configurando desta forma, uma condição objetiva de punibilidade. É o que se deprende do art. 180 da lei de falências, in verbis:
"Art. 180. A sentença que decreta a falência, concede a recuperação judicial ou concede a recuperação extrajudicial de que trata o art. 163 desta Lei é condição objetiva de punibilidade das infrações penais descritas nesta Lei".
Cumpre trazer à baila o entendimento do renomado doutrinador, Guilherme de Souza Nucci, quanto ao tema:
"Há ainda, um espaço temporal, no qual se pode realizar a conduta típica: antes ou depois da falência ou da recuperação judicial ou extrajudicial. Cuidando-se de ato realizado antes da falência ou recuperação judicial ou extrajudicial, a conduta depende da condição objetiva de punibilidade (art.180, desta lei). Se o ato for realizado depois, trata-se somente da complementação da conduta já prevista no tipo penal incriminador". (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, Editora Revista dos Tribunais, pág.635)
O elemento subjetivo (dolo específico), baseado na livre vontade e consciência do agir criminoso da conduta descrita no tipo penal, ou seja, favorecimento de credores determinados em prejuízo dos demais, restou evidente, haja vista o intuito fraudatório dos atos em questão, eis que o mesmo não inclui no rol de credores da ação de falência os credores beneficiados com a referida cessão de crédito, revelando desta forma, o objetivo de favorecer um ou mais credores em prejuízo dos demais.
E ainda, cumpre assinalar, que o réu também não incluiu na referida ação de auto falência os créditos que possuía na referida Ação Indenizatória, vislumbrando mais uma vez, o elemento subjetivo do tipo.
Quanto a alegação do réu de que não houve prova do prejuízo aos credores, tais fundamentos não merecem guarida, eis que o prejuízo é flagrante, pois, o passivo da empresa falida superou em muito o patrimônio liquido (fl.07), restando desta forma, evidente o prejuízo aos demais credores.
Quanto a assertiva, de indubio pro reo, também não merece guarida, eis que não houve qualquer dúvida quanto a autoria e materialidade do crime imputado, bem como em relação a sua tipicidade, restando induvidosa a real responsabilidade do apelante pela prática do crime falimentar.
Em relação ao §1º do art. 181 da lei 11.101/05, qual seja, a necessidade de motivação dos chamados efeitos secundários da sentença, razão assiste ao apelante.
Isto porque, os efeitos da sentença não são automáticos, bem como necessitam de motivação, o que de fato não ocorreu na sentença a quo.
Veja- se o que dispõe a norma ventilada:
"Art. 181, § 1º Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença, e perdurarão até 5 (cinco) anos após a extinção da punibilidade, podendo, contudo, cessar antes pela reabilitação penal".
É sabido que não é possível sanar a nulidade sem recurso da acusação, eis que resultaria em supressão de instância, assim, não resta outra opção senão declarar nula a parte da sentença quanto aos efeitos secundários.
Por todo o exposto, o recurso deve ser conhecido e parcialmente provido, para manter a condenação do apelante por infração ao disposto no art. 172, da Lei 11.101/05, mas excluir os efeitos secundários do art. 181 da citada lei, tendo em vista a falta de motivação.
Este é o voto.